A “janela de Overton” é um conceito que mostra como as ideias mudam de status na sociedade. Funciona assim: tudo que você ouve por aí — seja sobre política, moral, comportamento — se encaixa numa espécie de faixa entre o “inaceitável” e o “aceitável”. O que está fora dessa janela é visto como absurdo.
O que está dentro, pode até ser polêmico, mas é discutido, debatido, aceito. O truque está em empurrar os temas aos poucos, até que ideias impensáveis se tornem comuns.
Agora vamos ao que interessa: como isso é feito na prática?
Imagine uma ideia extremamente radical, como “descriminalizar todas as drogas”. No começo, essa ideia soa absurda para a maioria das pessoas. Está fora da janela. A estratégia usada para mudar isso envolve várias etapas:
Introdução indireta — Primeiro, essa ideia aparece em filmes, séries ou livros, mas como algo distante ou exagerado. A ideia ainda não é levada a sério, mas já começa a aparecer no seu radar.
Normalização pelo debate — Depois, ela começa a surgir em entrevistas, podcasts ou debates com “especialistas”, sempre com o argumento de que “precisamos falar sobre o assunto”. O tema ainda é rejeitado por muitos, mas já entrou na conversa.
Mudança de linguagem — Ao invés de “drogado”, fala-se em “usuário”; ao invés de “crime”, fala-se em “questão de saúde pública”. A forma como algo é nomeado afeta diretamente como ele é percebido.
Apelo emocional e pessoal — Histórias reais de pessoas presas por portar pequenas quantidades de maconha, ou de pacientes com doenças graves que dependem de canábis medicinal, são noticiadas. Isso gera empatia e torna a discussão mais humana.
Apoio acadêmico e institucional — Estudos científicos são apresentados, organizações internacionais começam a emitir relatórios, médicos dão entrevistas. A ideia passa a parecer técnica, estudada, válida.
Política e legislação — Um político propõe algo tímido, como descriminalizar apenas o uso medicinal. Não é a legalização completa, mas já é um passo. A janela já se abriu.
Aceitação cultural e social — Em pouco tempo, aquilo que era um tabu vira pauta de política pública. Não parece mais tão radical, parece até sensato.
Isso vale para quase tudo. Temas como vigilância digital, por exemplo, seguem a mesma lógica. No passado, a ideia de o Estado ou grandes empresas monitorarem os passos de cada cidadão em tempo real parecia coisa de ficção distópica. Hoje, com a justificativa da segurança pública e da eficiência tecnológica, milhões de pessoas aceitam — e até esperam — esse tipo de controle.
Câmeras de reconhecimento facial, rastreamento de dados, escuta automatizada de palavras-chave: tudo isso foi sendo normalizado pouco a pouco, até virar parte do cotidiano.
Outro caso é o da chamada “cultura do cancelamento”. Há alguns anos, punir socialmente alguém por uma opinião era visto como censura. Aos poucos, isso foi sendo reinterpretado como uma forma legítima de responsabilização: o discurso mudou.
Não se fala mais em repressão à liberdade de expressão, mas em "consequências dos próprios atos". De novo, a linguagem transforma a percepção, e a percepção abre espaço para novas regras sociais.
O mais importante aqui não é tomar um lado, mas perceber o movimento. A janela de Overton não decide o que é certo ou errado. Ela apenas mostra o que está disponível para discussão — e o que, por enquanto, está fora do alcance.
Saber que essa janela pode ser empurrada ajuda a entender como a sociedade evolui, mas também revela como opiniões podem ser moldadas sem que a gente perceba.
É um jogo sutil de narrativa, repetição e tempo. E quase sempre, quando você acha que está pensando por conta própria… alguém já pensou por você, lá atrás, anos antes.
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