O caso David Reimer: a realidade sobre o erro da criação da identidade de gênero

O caso dos gêmeos Bruce e Brian Reimer é um dos episódios mais tristes na história da psicologia e da medicina. Ele levanta questões importantes sobre identidade de gênero, ética médica e os impactos de intervenções cirúrgicas em crianças. O foco do caso é Bruce Reimer, que mais tarde ficou conhecido como David Reimer.


Bruce e Brian Reimer nasceram gêmeos idênticos em 22 de agosto de 1965, no Canadá. Quando tinham apenas 8 meses de idade, Bruce foi submetido a uma circuncisão devido a um problema de fimose. No entanto, durante o procedimento, um erro médico ocorreu e o pênis de Bruce foi gravemente danificado, deixando-o praticamente inutilizável.


Desesperados com a situação, os pais de Bruce buscaram ajuda médica e foram aconselhados pelo psicólogo Dr. John Money, um renomado especialista em identidade de gênero na época. 


Dr. Money acreditava firmemente que a identidade de gênero era algo maleável e que poderia ser moldada pela criação e socialização. Ele sugeriu que Bruce fosse submetido a uma cirurgia de redesignação sexual e criado como uma menina, com o nome de Brenda. 


A teoria de Dr. Money era de que, se Bruce fosse criado desde cedo como uma menina, ele se identificaria como tal, independentemente de seu sexo biológico.


Os pais de Bruce aceitaram o conselho do médico, e, quando Bruce tinha 22 meses de idade, ele passou pela cirurgia. A partir de então, seus pais começaram a criá-lo como uma menina, seguindo rigorosamente as orientações de psicólogo. 


Brenda foi criada usando roupas femininas, e todos à sua volta foram instruídos a tratá-la como uma menina. Ao longo dos anos, Dr. Money usou o caso como exemplo em suas publicações, alegando que sua teoria sobre a maleabilidade da identidade de gênero estava sendo confirmada com sucesso.


No entanto, a realidade era bem diferente. Apesar da criação como Brenda, Bruce nunca se identificou como uma menina. Desde cedo, ele demonstrava comportamentos considerados típicos de meninos, rejeitava brinquedos femininos e se sentia desconfortável com a identidade feminina que lhe foi imposta. 


Durante os encontros anuais com Dr. John, tanto Bruce quanto seu irmão Brian passaram por sessões de terapia que mais tarde foram descritas como traumáticas.


Na adolescência, o sofrimento psicológico de Bruce se intensificou. Ele enfrentava confusão e depressão severas. Aos 14 anos, após insistentes questionamentos sobre sua identidade, seus pais finalmente revelaram a verdade sobre o que havia acontecido na infância. 


Ao descobrir seu verdadeiro passado, Bruce decidiu viver novamente como homem e escolheu o nome David Reimer.


David passou por várias cirurgias para tentar reverter o processo, no entanto, as consequências psicológicas e emocionais de toda a experiência foram profundas. Seu irmão Brian, que também sofreu com a pressão do caso e os experimentos do Dr. Money, desenvolveu problemas de saúde mental ao longo dos anos e faleceu em 2002 por uma overdose de antidepressivos.


Dois anos depois, em 2004, David Reimer tirou sua própria vida aos 38 anos. Seu caso foi amplamente estudado e se tornou um marco na discussão sobre ética médica, identidade de gênero e os perigos de intervenções cirúrgicas sem consentimento. 


Negligência intencional ou acidente?


No caso de Bruce/David Reimer (também conhecido como John/Joan), não houve uma investigação formal que apontasse se o erro médico durante a circuncisão foi resultado de negligência intencional ou acidente. 


A circuncisão mal-sucedida, que resultou na destruição irreversível do pênis de Bruce, foi oficialmente tratada como um erro médico. Não há indícios de que a equipe médica envolvida na circuncisão estivesse diretamente conectada ou colaborando com o Dr. John Money antes do acidente.


Após o erro, os pais de Bruce, desesperados para encontrar uma solução, buscaram especialistas, e foi aí que entraram em contato com o Dr. Money, conhecido por seu trabalho com identidade de gênero no Hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos. 


O envolvimento de Dr. Money aconteceu posteriormente, quando os pais foram convencidos de que a redesignação sexual poderia ser uma solução para o problema criado pela falha médica.


Embora o psicólogo tenha usado o caso para promover sua tese sobre a maleabilidade da identidade de gênero, a tragédia expôs os limites das teorias baseadas apenas em criação social, desafiando a ideia de que o gênero poderia ser completamente moldado independentemente da biologia.


Se o caso John/Joan foi um fracasso, por que ele ainda é mencionado e credibilizado até hoje?


A ideia de identidade de gênero continuou a ser aplicada e ganhou força nas últimas décadas, apesar do caso de David Reimer, por uma série de razões sociais, políticas e acadêmicas que influenciaram a forma como a sociedade lida com questões de gênero. 


Aqui estão alguns dos principais fatores que explicam esse fenômeno:


1. Desvinculação do caso Reimer dos debates posteriores: muitos argumentam que o caso foi um exemplo extremo e que não reflete todas as experiências de pessoas que lidam com questões relacionadas ao gênero. Assim, o debate sobre a construção social do gênero continuou em outros contextos.


2. Movimentos sociais e ativismo: o ativismo de grupos LGBTQIA+ ganhou maior visibilidade e apoio social, destacando a importância do respeito à diversidade de gênero. Para muitos, a identidade de gênero passou a ser uma questão de autodeterminação, e as experiências vividas por pessoas transgênero e não-binárias reforçaram a ideia de que o gênero não é apenas uma questão biológica, mas também envolve fatores psicológicos e sociais.


3. Novos estudos e teorias: com o avanço das ciências sociais e da psicologia, surgiram novas “pesquisas” que defendem a ideia de que a identidade de gênero pode ser diferente do sexo biológico. Essas “pesquisas” baseiam-se em relatos de indivíduos que descrevem uma desconexão entre seu sexo ao nascer e sua identidade de gênero.


4. Mudança cultural: nas últimas décadas, a sociedade ocidental passou por grandes transformações culturais, com um aumento na aceitação de diversas formas de expressão de gênero e sexualidade, ampliando a noção de identidade de gênero e tornando-a mais central nos discursos contemporâneos.


5. Separação entre ciência médica e ativismo social: embora o caso de David Reimer tenha sido um forte exemplo das limitações da interferência médica em questões de gênero, ele foi, para alguns, um exemplo dos perigos de forçar uma identidade em uma pessoa sem seu consentimento. Com isso, as discussões mudaram para o respeito à autonomia individual e ao direito de cada pessoa determinar sua identidade de gênero, sem imposições externas, seja médica ou social.


6. Influência da mídia e da educação: a mídia e os sistemas educacionais também desempenharam um papel importante ao promoverem visões mais inclusivas sobre questões de gênero. Com a crescente representação de pessoas transgênero e não-binárias em programas de televisão, filmes e plataformas de mídia social, a ideia de identidade de gênero ganhou legitimidade e espaço no debate público.


Esses fatores permitiram que a ideia de identidade de gênero voltasse a ser aplicada, mesmo em um mundo que conhece os trágicos resultados do caso de David Reimer.


Saiba mais sobre essa história no vídeo abaixo.



Foto: Ilustração

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