Casamentos entre primos aumentam risco de doenças genéticas raras no Brasil

Um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) revelou que os filhos de casamentos entre primos no Brasil têm quatro vezes mais chances de nascer com doenças genéticas raras do que os de casamentos entre não parentes.

A pesquisa, publicada na revista International Journal of Medical Reviews, também mostrou que a região Nordeste é a que apresenta os maiores índices de consanguinidade no país, enquanto a região Sul tem os menores índices.



A consanguinidade é a medida de quão geneticamente parecidas e aparentadas são duas pessoas. Ela varia de 0, sem nenhum parentesco, a 1, muito próximas. Segundo o estudo, os municípios de Lagoa, na Paraíba, e de Serrinha dos Pintos, no Rio Grande do Norte, têm os maiores coeficientes de consanguinidade do Brasil: 0,01182 e 0,0095, respectivamente. 


Já os menores estão em Belo Horizonte, Minas Gerais (0,00017), e Joinville, Santa Catarina (0,00029).


O biólogo geneticista Luzivan Costa Reis, da UFRGS, principal autor do estudo, explica que a região Nordeste concentra mais populações isoladas geográfica e culturalmente, como os povos ribeirinhos e quilombolas, nas quais os casamentos entre parentes ainda são relativamente comuns. 


“Essas populações têm uma menor diversidade genética e uma maior homozigosidade, ou seja, uma maior chance de ter duas cópias idênticas do mesmo gene”, diz Reis.


Esse fator aumenta o risco de manifestação de doenças genéticas causadas por variações no DNA, também chamadas de alelos. Quando uma pessoa tem apenas uma variação de um gene que poderia causar algum problema de saúde, ela é chamada de portadora. Mas quando ela tem duas variações do mesmo gene, ela é chamada de afetada e pode desenvolver a doença.



O estudo mapeou 15 doenças genéticas associadas à consanguinidade no Brasil e encontrou novas mutações em duas delas: a picnodisostose (gene CTSK), que causa baixa estatura e deformidades no crânio; e a síndrome de Raine (gene FAM20C), que inflama o cérebro e danifica o fígado. 


“As mutações patogênicas ou provavelmente patogênicas podem tornar esses sintomas ainda mais intensos, mas é preciso mais estudos para avaliar as consequências”, observa Reis.


O médico geneticista Roberto Giugliani, da UFRGS e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Genética Médica Populacional (Inagemp), afirma que as doenças genéticas raras são um problema de saúde pública no Brasil e na América do Sul. “Elas afetam cerca de 6% da população e podem causar deficiências físicas e intelectuais, além de reduzir a expectativa de vida”, diz Giugliani.


Ele coordenou outro estudo que mapeou os agrupamentos geográficos com alta frequência de doenças raras ou anomalias congênitas na América do Sul, também chamados de clusters. 


O levantamento, publicado na Revista Panamericana de Salud Pública, registrou 65 clusters no Brasil, o que representa mais da metade (53,3%) dos 122 do continente sul-americano.


Giugliani destaca que muitos desses clusters estão relacionados à consanguinidade e à endogamia, ou seja, à preferência por casamentos dentro do mesmo grupo social ou étnico. “Essas práticas podem ser influenciadas por fatores históricos, culturais ou religiosos”, explica ele.


Os pesquisadores recomendam o aprimoramento da formação em genética médica dos profissionais das unidades de saúde das localidades em que os casamentos entre parentes são frequentes. “Desta forma, eles poderiam expor a esses casais os riscos de gerar crianças com doenças genéticas e encaminhá-los para o aconselhamento genético”, comenta Reis. “Assim os casais poderão tomar decisões mais conscientes sobre suas vidas reprodutivas”, concluiu.


O aconselhamento genético é um serviço que oferece informações e orientações sobre as doenças genéticas, os riscos de transmissão, as opções de tratamento e prevenção, e os aspectos psicológicos e sociais envolvidos. É um processo educativo e de apoio que visa ajudar as pessoas a lidar com essas questões.


Os especialistas ressaltam que o objetivo do aconselhamento genético não é proibir o casamento entre parentes, mas sim informar e esclarecer as dúvidas dos casais. “O respeito à autonomia e à liberdade de escolha das pessoas é um princípio ético fundamental da genética médica”, conclui Reis.


Foto: Canva

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