Nos últimos anos, um termo tem chamado a atenção nos círculos da ciência e tecnologia: os biohackers. Mas, afinal, o que são biohackers, o que eles fazem e por que suas práticas geram tanto interesse e polêmica?
O que é o biohacking?
De forma simples, biohacking é o ato de modificar ou melhorar aspectos biológicos do corpo humano por meio de técnicas variadas, que podem incluir desde ajustes na alimentação até intervenções tecnológicas mais avançadas.
Os biohackers se propõem a superar as limitações naturais do corpo humano, explorando maneiras de otimizar a saúde, aumentar a longevidade ou até mesmo adquirir novas habilidades.
Embora o termo “hack” remeta a uma alteração em sistemas de computadores, no contexto do biohacking, o "sistema" é o corpo humano, e os biohackers tentam “hackeá-lo” para atingir resultados fora do comum, alterando o funcionamento biológico ou aumentando a performance de alguma maneira.
Tipos de biohacking
O biohacking pode ser dividido em três grandes categorias, variando do mais simples e natural ao mais complexo e invasivo:
1. Biohacking DIY (faça você mesmo): Aqui estão as práticas que qualquer pessoa pode adotar em casa. Envolve ajustes no estilo de vida, como mudanças na dieta, jejum intermitente, suplementação com vitaminas, uso de nootrópicos (substâncias que prometem aumentar a capacidade cognitiva) e até mesmo técnicas de meditação e controle mental.
Os adeptos deste tipo de biohacking acreditam que essas práticas podem melhorar a saúde mental, o desempenho físico e a longevidade.
Muitos desses biohackers são amadores sem formação científica formal. Eles são autodidatas, aprendem através de livros, comunidades online, fóruns e redes sociais.
Praticam experimentos caseiros, como uso de dispositivos e até implantes tecnológicos simples, buscando melhorias na saúde, no desempenho cognitivo ou físico.
2. Grinders (biohacking com implantes): Nesta categoria, eles são geralmente pessoas sem formação científica formal, mas que buscam modificar seus corpos de maneira radical com implantes tecnológicos.
Os grinders realizam implantes caseiros, como chips RFID para armazenar informações ou ímãs subcutâneos para detectar campos eletromagnéticos que podem servir para várias funções, como abrir portas, fazer pagamentos ou até armazenar dados pessoais.
Existem também biohackers que implantam ímãs ou dispositivos sensoriais que oferecem novas percepções do ambiente. Eles também costumam colaborar em comunidades online, compartilhando experiências e aprendendo com os erros e sucessos uns dos outros.
3. Cientistas cidadãos: Diferentemente dos grinders, que fazem modificações no corpo, os cientistas cidadãos possuem formação acadêmica em áreas como biologia, biotecnologia, medicina, engenharia ou ciência da computação.
Frequentemente, adotam uma abordagem mais científica e muitos estão envolvidos em pesquisas de ponta, como a edição genética (CRISPR), terapia genética, neurociência, análises de DNA ou até mesmo com substâncias que podem alterar o metabolismo.
Alguns tentam desenvolver e aplicar terapias genéticas em seus próprios corpos. Eles podem ter acesso a laboratórios e recursos avançados, e seus experimentos são conduzidos dentro de normas éticas e regulamentações científicas.
O lado filosófico do biohacking
Mais do que uma simples busca por aprimoramento físico, o biohacking está fortemente ligado à ideia de transumanismo, um movimento filosófico que defende o uso da ciência e tecnologia para expandir as capacidades humanas além dos seus limites biológicos.
Para muitos deles, a questão não é apenas melhorar a saúde ou adquirir novas habilidades, mas sim a possibilidade de controlar sua própria biologia, algo que historicamente foi considerado impossível.
A filosofia do biohacking também se contrapõe às questões éticas. Se uma pessoa pode modificar o próprio corpo para se tornar “super-humana”, isso criaria uma divisão entre os “normais” e os “aprimorados”? O que aconteceria se as tecnologias de biohacking ficassem disponíveis apenas para quem pode pagar por elas?
Casos conhecidos
Um dos casos mais icônicos no mundo do biohacking é o de Josiah Zayner, ex-funcionário da NASA e defensor fervoroso do biohacking. Ele é conhecido por ter se injetado com a técnica CRISPR (uma ferramenta de edição de genes) em um experimento para aumentar sua própria capacidade muscular, algo que provocou um grande debate entre cientistas e bioeticistas sobre os limites do que é seguro e permitido.
Outro caso famoso é o de Neil Harbisson, considerado o primeiro ciborgue reconhecido legalmente. Ele nasceu com acromatopsia, uma condição que o impedia de ver cores, e implantou em sua cabeça uma antena que converte as frequências de cores em vibrações sonoras que ele pode ouvir.
A antena implantada em Neil Harbisson foi projetada por ele mesmo em parceria com o cientista e programador Adam Montandon com a ajuda posterior de outros especialistas em cibernética.
O projeto original surgiu em 2003, quando Harbisson buscava uma solução para a sua condição. A antena funciona como uma espécie de “sensor de cores” que capta frequências de luz e as transforma em vibrações auditivas.
Essas frequências sonoras variam dependendo da cor que a antena detecta. Com o tempo e com a prática, Harbisson aprendeu a associar cada frequência sonora a uma cor específica. Então, por exemplo, uma cor vermelha pode emitir um som mais grave, enquanto uma cor azul emitiria um som mais agudo.
Ele não "vê" as cores como uma pessoa com visão normal, mas através de anos de convivência com esse dispositivo, desenvolveu a capacidade de traduzir essas vibrações sonoras em percepções mentais de cor.
Em entrevistas, Harbisson descreve isso como uma fusão entre a audição e a percepção visual: ele não enxerga a cor, mas "ouve" o som correspondente e, em sua mente, essa informação sensorial é percebida como cor.
A longo prazo, essa adaptação sensorial fez com que o cyborgue sentisse as cores de maneira tão natural quanto alguém que as vê. Ele afirmou que essa experiência mudou sua percepção da realidade, permitindo-lhe "sentir" e "interpretar" as cores em uma nova dimensão, além do espectro visível ao olho humano (como infravermelho e ultravioleta), que ele também consegue detectar.
Desde então, tem promovido a ideia de que a cibernética pode ser usada para ampliar as capacidades humanas e até fundou a Cyborg Foundation para ajudar outras pessoas a se tornarem ciborgues.
O biohacking é seguro?
A segurança do biohacking é um dos aspectos mais debatidos dessa prática. Enquanto mudanças na dieta e o uso de suplementos podem ser relativamente seguros quando feitos sob supervisão médica, muitas das intervenções tecnológicas e experimentos autônomos levantam sérias preocupações.
Por exemplo, alguns implantes podem causar rejeição pelo corpo, infecções ou problemas mais graves. Já os experimentos com modificações genéticas, como o caso de Josiah Zayner, podem ter consequências imprevisíveis a longo prazo.
Sem um controle rigoroso e regulamentação adequada, o biohacking pode levar a riscos consideráveis para a saúde.
Foto: Perfil pessoal
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