DISCRIMINAÇÃO AFETA PROCESSO DE FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Na última terça-feira, 30 de julho, o programa “A Liga”, da emissora de TV Band, exibiu duas grandes reportagens: uma sobre a passagem do papa Francisco pelo Brasil e a segunda referente ao antigo e esquecido caso da chacina da candelária. Na primeira matéria confesso ter ficado impressionada com a demonstração de fé das pessoas devido à chegada do pontífice, mas o mérito desse texto não são as crenças e nem suas diferenças; o propósito aqui é falar sobre a discriminação vivenciada por alguns indivíduos durante o período de desenvolvimento da personalidade enquanto criança e adolescente – que tem relação com o conteúdo final do programa – quando foi contado um pouco da história do protagonista do sequestro do ônibus 174.

Para quem não sabe, e foi mostrado na reportagem, o mesmo homem que deixou dezenas de pessoas em pânico no Rio de Janeiro no episódio ocorrido no dia 12 de junho do ano 2000, era também uma das crianças vítima da crueldade de policiais militares, que executaram oito moradores e menores de rua próxima a Igreja da Candelária.

Essa história me fez lembrar de uma conversa que tive com um garotinho, de cerca de uns 11 anos mais ou menos, entre 2009 ou 2010 (não me recordo exatamente), na época em que trabalhei no projeto Escola da Família, criado em agosto de 2003 pela Secretária de Estado da Educação, que tem como intuito ampliar o interesse e conhecimento dos jovens para a cultura geral.

Era um final de semana comum, como todos os outros, se não fosse o aparecimento daquela criança em uma tarde ensolarada. O menino entrou na escola com um ar autoritário, como se quisesse colocar medo em qualquer pessoa que se atrevesse a falar ou olhar em sua direção. Aquela postura chamou minha atenção. Como podia um garoto tão pequeno e tão novo se mostrar carrancudo. No começo achei engraçado; até o ponto em que consegui conquistar sua confiança e arranquei-lhe meia dúzia de palavras.  

Ele tinha as roupas um pouco sujas e estava de chinelos.  Resolvi perguntar de onde era? Com quem morava? O que fazia ali? E com um olhar triste e com voz trêmula, respondeu que estava passeando. Disse que morava com a mãe e os irmãos.

Papo vai, papo vem, confessou que a mãe batia nele porque ele era burro. Fiquei chocada! Perguntei: como assim burro? Com os olhos cheios de lágrimas disse que não aprendia nada na escola. “Tenho problemas, não consigo aprender, sou burro”, enfatizou.  Nesse momento meus olhos também se encheram. Prometi ajudar e ensiná-lo se ele aparecesse por lá mais vezes. E assim aconteceu por mais dois finais de semana.

Nesse período me contou que pulava o muro da escola – na qual estudava –, e perambulava pelas ruas. Questionei se a mãe dele sabia disso, e ele disse que ela não ligava. Deixava-o sozinho em casa de manhã até o anoitecer.

Ele era tão inquieto, andava de um lado para outro. Depois dessas conversas, infelizmente, a criança com roupas sujas e chinelos desapareceu. Não sei se minhas perguntas o assustaram; o fato é que seu sumiço me preocupou por um bom tempo. Não sabia, e até hoje não sei dizer o que aconteceu com aquele menino de presença forte e psicológico abalado. Mas é fácil arriscar um palpite: ele, mesmo tão jovem, já sofreu o bastante para se sentir ameaçado com a presença do desconhecido.

Espero que esse garotinho que nunca saiu da minha cabeça, não seja discriminado pela sociedade por causa de suas dores, traumas e injustiças sofridas no período de formação de sua personalidade, como ocorreu com Sandro Nascimento, autor do sequestro do ônibus 174, asfixiado por agentes durante sua prisão.    

UNICEF

Esses e outros tipos de agressões afetam o caráter e a transformação do indivíduo marginalizado. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, sigla em inglês) “a violência não apenas causa ferimentos físicos, mas também deixa marcas psicológicas nas crianças”. “Ela afeta a saúde física e mental, comprometendo sua capacidade de aprendizagem e socialização, prejudicando o seu desenvolvimento”. 

Foto: Divulgação.

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